I COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE

EPISTEMOLOGIA E EDUCAÇÃO DA ENGENHARIA

(CIEEE2005)

 

PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ, 27 e 28 de junho de 2005

 

Temas: "O aprendizado a partir de projetos"

e "A formação do engenheiro projetista"

 

RESENHA DO COLÓQUIO

 


SUMÁRIO

Clicando no título, a imagem passará à parte correspondente do texto.

1.  Modo de usar.

2.  Objetivos e metodologia do Colóquio.

3.  Visão geral sobre os temas.

3.1. O aprendizado a partir de projetos

3.2.   A formação do engenheiro projetista

4.    Resumos e debates, 27 de junho

4.1.  Abertura.

4.2.   Epistemologia e educação em engenharia (Marcos da Silveira, PUC-Rio).

4.3.Experiências em pedagogia de projeto na Suíça: no Ensino Médio (interdisciplinaridade no Lycée Jean Piaget, Neuchâtel), na Universidade (aprendizado por problemas no curso de medicina) (Jacques Ducommun, Lycée Jean Piaget e ESC, Neuchâtel, Suíça).

4.4.   O perfil de formação do engenheiro (painel).

4.4.1.Perfil da Escola Politécnica da USP (Henrique Lindenberg, EPUSP).

4.4.2.Perfil do CEFET/RJ (Carlos Henriques Alves, CEFETRJ).

4.4.3.Debate.

4.5.          O aprendizado a partir de projetos tem funcionado?

4.5.1.Luiz Meirelles (IND/UFRJ),

4.5.2.Mauro Schwanke (DEE/PUC-Rio),

4.5.3.Therezinha Costa (INF/PUC-Rio).

4.5.4.Jacques Ducommun (ESC/Neuchâtel),

4.6.          Faz sentido formar engenheiros a partir da atividade “projeto” no Brasil? E o engenheiro projetista?

4.6.1.Michel Thiollent (COPPE/UFRJ).

4.6.2.Marta Velasco (CIV/PUC-Rio).

4.6.3.Carlos Henrique Alves (CEFET-RJ).

5.    Resumos e debates, 28 de junho.

5.1.          O que falta à formação do engenheiro atual – uma visão da indústria.

5.1.1.Antonini Puppin Macedo (EMBRAER).

5.1.2.Sinval Zaidan Gama (ELETROBRAS).

5.2.          A formação do projetista ou a engenharia de projeto (José Carlos Sussekind)

5.3.          Ciência na formação do engenheiro: formação ou informação?

5.3.1.Mauro Speranza Neto (MEC/PUC-Rio).

5.3.2.Welles Antônio Martinez Morgado (FIS/PUC-Rio).

5.3.3.Carlos Tomei (MAT/PUC-Rio).

5.4.          A formação e a habilitação profissional.

5.4.1.Luiz Paulo Brandão (IME e UERJ).

5.4.2.Mário Neto Borges (ABENGE).

5.4.3.Emmanuel Paiva de Andrade (UFF)

6.    Conclusões.

6.1.          O setor produtivo precisa de um novo engenheiro.

6.2.          Há uma pluralidade de perfis de formação a serem desenvolvidos.

6.3.          O ensino tradicional, centrado em conteúdos, foi criticado.

6.4.          O aprendizado a partir de projetos foi fortemente defendido.

6.5.          Diversas experiências de aprendizado por projetos foram apresentadas e discutidas.

6.6.          O sistema CONFEA/CREAs foi fortemente criticado.

 

Notas.

 

1. MODO DE USAR

 

        O texto a seguir apresenta os objetivos deste Colóquio, uma visão geral sobre os temas e os problemas tratados, resumos das apresentações e dos debates, e uma conclusão geral. As chamadas que permitem abrir os arquivos contendo as apresentações e os textos distribuídos pelos conferencistas estão no início do resumo de cada apresentação. A ausência de chamadas indica que o autor se apresentou oralmente sem entregar um texto à coordenação.

O texto desta resenha, assim como o capítulo de conclusões, são de exclusiva responsabilidade do organizador desta Ata do Colóquio. Procuramos ser fiéis às apresentações e aos debates, mas acreditamos não ser possível filtrar completamente nossas próprias opiniões. Solicitou-se correções e tréplicas aos debatedores em relação ao texto proposto.

 

2. OBJETIVOS E METODOLOGIA DO COLÓQUIO

 

       Pretendemos que o CIEEE2005 seja o primeiro de uma série anual de colóquios destinados a apresentar e discutir temas específicos em educação da engenharia e suas relações com a epistemologia da engenharia. Embora os temas deste primeiro Colóquio sejam “O aprendizado a partir de projetos” e “A formação do engenheiro projetista”, outros temas deverão ser abordados em colóquios futuros, como o currículo de engenharia, estágios em empresas, ensino de ciências básicas ou a integração de disciplinas de ciências e de engenharia.

O formato do Colóquio reúne palestras, painéis e mesas-redondas para um público pequeno e interessado o suficiente para que haja um verdadeiro debate. Para atingir este objetivo foi deixado bastante tempo para discussões sob o controle de um coordenador com autoridade suficiente para manter o foco dos discursos. Vimos que, no futuro, deverá ser previsto ao menos tanto tempo para os debates abertos quanto para as apresentações convidadas.

A proposição destes colóquios partiu da constatação da inexistência de reuniões técnicas sobre estes assuntos, concentradas sobre temas específicos, que permitam o seu debate, aprofundamento, e a caracterização dos problemas atuais. Os grandes congressos na área (COBENGE, ICEE, ASEE) não tem se revelado o ambiente propício para tais debates, dado que são voltados para a apresentação múltipla de resultados individuais, pulverizando confrontos e trocas de opiniões. Falta um momento em que professores de engenharia exponham e discutam seus problemas a partir de sua prática, conjuntamente com pesquisadores com respaldo acadêmico. Claro, buscamos criar um ambiente de camaradagem sem restringir a atitude crítica e corajosa, de forma que problemas concretos e experiências reais pudessem ser expostos, sem fugir aos confrontos e à diversidade de pontos de vista, e de forma que novas proposições e saídas pudessem ser discutidas, sem buscar prematuramente soluções de consenso. A impressão imediata dos participantes confirmou estas expectativas.

Este primeiro colóquio foi um balão de ensaio, restrito a um público próximo e evitando criar custos. Nele testamos o sistema e verificamos a existência de um grupo de interessados em levar adiante as discussões e em ajudar a organizar os eventos futuros. No futuro buscaremos ampliar o público e a escolha dos palestrantes.

 

3. VISÃO GERAL SOBRE OS TEMAS

 

Os temas propostos, “O aprendizado a partir de projetos” e “A formação do engenheiro projetista”, por si só já permitem toda uma série de colóquios especialmente dedicados.

 

3.1. O aprendizado a partir de projetos.

 

O primeiro tema apresenta uma solução para o aprendizado em engenharia que vêm sendo discutida e testada há anos[i]. Parte de alguns princípios:

 

3.2. A formação do engenheiro projetista.

 

Embora a formação do engenheiro projetista seja um objetivo inscrito na maior parte das listas de capacitações de engenheiros (ABENGE, ABET, BEC, SEFI, por exemplo), e mesmo uma formação específica de engenheiro-projetista esteja sendo defendida (Université de Mons, Bélgica, e École Centrale de Lille, por exemplo), como conduzir os alunos de um curso de engenharia a este ideal dentro da enorme quantidade de conhecimentos científicos e tecnológicos utilizados atualmente em sua prática? Antes de tudo, o que caracteriza um engenheiro-projetista? Sendo um projeto de engenharia essencialmente multidisciplinar, do que estaremos falando: um gerente de projetos tecnológicos, conduzindo equipes, ou um especialista de novo tipo? Será necessário introduzir novas atividades (talvez em alguma especialização) em cursos tradicionais, ou falamos de uma mudança completa do curso de engenharia, de sua estrutura e de seu currículo?

 

4. RESUMOS E DEBATES, 27 de junho

 

A seguir serão apresentados os resumos das conferências, mesas-redondas e debates ocorridos no dia 27 de junho de 2005.

 

4.1. Abertura.

 

O Colóquio foi aberto pelo professor João Bosco Pitombeira, representando o Reitor da PUC-Rio, que, além de desejar boa-vindas, a partir do comentário de Poincaré sobre o fato de que todo professor de matemática teria a sua própria metafísica, teceu considerações sobre a importância em associar à educação da engenharia a epistemologia, de modo que fossem desveladas as questões ideológicas, explicitadas as metodologias e as concepções de mundo, mostradas as questões cognitivas, de forma que o processo educacional, seus objetivos e seus pressupostos possam ser criticados de forma inteligente.

A seguir falou o professor José Alberto dos Reis Parise, Decano do Centro Técnico Científico da PUC-Rio, que manifestou o interesse do evento, esperando que ele discutisse o nível de investimento necessário para a formação científica e pedagógica do professor de cursos de engenharia, e o tempo necessário para tal formação.

Na seqüência, os coordenadores do Colóquio apresentaram seus objetivos e suas regras de funcionamento, conforme os itens acima.

 

4.2. Epistemologia e educação em engenharia.

 

O professor Marcos da Silveira (DEE/PUC-Rio) apresentou sua palestra, cujo resumo aparece a seguir.

Texto: Epistemologia e educação em engenharia.doc.

Apresentação: Epistemologia e educação em engenharia.ppt.

Resumo:

Os currículos brasileiros para cursos de engenharia têm sido organizados dentro de uma lógica estritamente seqüencial, que será apresentada a seguir como um tipo limite (para facilitar a compreensão):

Na realidade, a indústria atual está cobrando novas competências (e não apenas habilidades) e novas atitudes. A diferença entre as exigências tradicionais e as atuais aparece nas perguntas utilizadas para discutir currículos:

Mais que estratégias pedagógicas diferentes, fala-se de interesses diferentes!

Temos um novo paradigma educacional. No ensino seqüencial o problema de engenharia é despedaçado, faltam atividades integradoras, a (relativa) fugacidade dos problemas técnicos e dos interesses sociais é expulsa do currículo, o foco é no conteúdo, em todo o conteúdo que possa vir a ser utilizado no futuro.

No novo paradigma, pergunta-se o que deve ser alterado na realidade concreta e por que. O foco é no problema de engenharia. O conhecimento não é estável, mas deve ser encontrado e modificado de acordo com a situação.

E aqui aparece a epistemologia da engenharia. As técnicas (e as tecnologias) são desenvolvidas a partir de interesses pragmáticos: a solução de problemas concretos. O caminho histórico e epistemológico segue o esquema: problemas ® técnicas ® tecnologia ® teoria ® novas técnicas ® etc. O conhecimento está sempre mudando, sendo alterado e transformado além de acrescido. É preciso saber aprender, mas também saber desaprender.

De fato, um mundo novo é construído (pela engenharia) para resolver os problemas do mundo da vida. E o engenheiro não pode ser surdo (ou isento) a esses problemas. E o mundo novo nos muda e nos interroga.

Dois paradoxos cognitivos afetando a educação em engenharia foram apresentados na literatura recente:

                       III.      Só temos acesso a conceitos através de representações, mas estas não podem ser confundidas com conceitos.

                      IV.    Um modelo só é eficaz se, ao mesmo tempo, representa o conceito (do lado teórico) e o objeto concreto (do lado do problema concreto que o origina e motiva), mas não é possível construir os dois lados simultaneamente.

Como enfrentar os paradoxos da formação do engenheiro?

A partir da análise da história das ciências e das técnicas, e da epistemologia derivada, é possível chegar a um certo conjunto de preceitos orientando uma nova metodologia pedagógica direcionada pelo novo paradigma:

O fato que estamos diante de dois paradigmas diferentes aparece ao tentar verificar se o professor cumpriu seu papel. No paradigma tradicional, tal ocorre quando o aluno sabe responder questões de provas no tempo dado, aplicando os protocolos padronizados que lhe foram explicitamente ensinados. No novo paradigma, tal ocorre quando o aluno reconhece o problema a ser resolvido, busca as informações necessárias e as aplica com sucesso no tempo do projeto.

 

Debate: O debate restringiu-se a perguntas sobre tópicos da apresentação.

4.3. Experiências em pedagogia de projeto na Suíça: no Ensino Médio (interdisciplinaridade no Lycée Jean Piaget, Neuchâtel), na Universidade (aprendizado por problemas no curso de medicina.

 

O professor Jacques Ducommun (Lycée Jean Piaget, ESC e HEP-BEJUNE, Neuchâtel, Suíça) apresentou sua palestra, cujo resumo aparece a seguir.

Texto: Expérience en pédagogie de projet em Suísse.doc, ou Experiência em pedagogia do projeto na suíça.doc

Apresentação: Expérience en pédagogie de projet em Suísse.ppt.

Resumo:

A nova maturidade[iii] suíça abriu espaço para o aprendizado por problemas, conduzido dentro de uma perspectiva multidisciplinar. No Lycée Jean-Piaget (Neuchâtel) praticamos tal metodologia inspirados nos trabalhos de Gérard Fourez, que diz a interdisciplinaridade ser uma construção de representações do mundo estruturadas e organizadas em função de um projeto humano (ou de um problema a resolver), em um contexto específico e para destinatários específicos, fazendo apelo a diversas disciplinas, visando chegar a um resultado original não dependendo mais das disciplinas de origem, mas do projeto em vista.

Ao longo desta metodologia, o aluno é levado a elaborar e conduzir um projeto de pesquisa durante 10 semanas, à razão de meia jornada por semana. Durante este espaço de tempo, os adolescentes trabalham em grupos (2 a 3 pessoas) sobre problemas advindos de uma questão imposta, nas salas de trabalhos práticos disponíveis e com os três professores (física, química e biologia) à sua disposição.

Um primeiro assunto permite a formação na metodologia e dá lugar a uma pesquisa que dura 3 semanas. As 7 outras semanas são consacradas ao assunto principal, permitindo levar a bom termo um projeto de forma elaborada.

Alguns exemplos de assuntos iniciais já tratados:

Os grupos tem à sua disposição um "diário de bordo", que serve de baliza durante toda a atividade. O aluno é convidado a aí anotar todos os pontos importantes de sua atividade. Os professores acompanham continuamente o conteúdo deste diário e exigem, se preciso, a anotação rigorosa do projeto na sua forma presente (avaliação formativa), assegurando desta forma um olhar meta-cognitivo.

Na Faculté de médecine da Université de Lausanne (Suíça), as seqüências de aprendizado por problemas foram instauradas há já alguns anos. Algumas outras « Hautes Ecoles » introduziram tais práticas na formação de seus estudantes. É interessante constatar que enfoques deste tipo emergem primeiro no seio das formações profissionais mais direcionadas[iv]: engenheiros, médicos,... cujas necessidades são especificamente ligadas à realização de projetos complexos por natureza.

O método utilizado foi nomeado APP (aprendizagem por problemas) e é dividido em diversas fases. Os objetivos são:

            I)      análise e síntese de problemas,

            II)    aquisição de conhecimentos,

            III)   enfoque transdisciplinar,

            IV)    auto-aprendizagem,

            V)     trabalho em grupos pequenos (6 a 8 estudantes).

 

Três papéis são definidos no grupo (pelos estudantes):

o animador

propõe um plano de trabalho

dirige e incentiva a discussão

gerencia as etapas da APP e o tempo à sua disposição

o secretário

assegura a organização do quadro (esquemas,...)

o escriba

anota a discussão e os objetivos de aprendizagem, a folha será em seguida fotocopiada por todos

 

         De sua parte, o tutor garante sustentação ao animador, estimula a discussão e garante o seu aprofundamento.

A APP se pratica em três partes, subdivididas em oito etapas:

            1a parte (5 etapas):    Tutorial ou "sessão-lançamento", duração de mais ou menos 2 horas:

     etapa n. 1:      (5 a 10 mn)       - Clarificar os termos e os dados do enunciado do problema.

      etapa n. 2:      (em torno de. 15 mn)  - Definir o problema.

etapa n. 3:      - Formular hipóteses para explicar o problema (brainstorming).

(As hipóteses podem ser inexatas, mas devem ser lógicas).

etapa n. 4:      - Organizar as explicações propostas (esquemas).

             N.B.1 -  As etapas 3 et 4 são freqüentemente ligadas e duram um pouco mais de uma hora.

             N.B.2 - Durante 3 e 4, o tutor ajuda ativamente os estudantes, levando-os a aprofundar, precisar as hipóteses e efetuar sínteses.

etapa n. 5:     (começa em torno de 20 mn antes do fim da sessão)

   etapa n. 7:       (um pouco menos de 2 horas).

                etapa n. 8:        (ate 15 mn)

Debate: O debate resumiu-se a esclarecimentos de pontos da apresentação.

Ducommun (Jacques Ducommun) - Diante do desconhecimento por parte da platéia dos trabalhos de Fourez, muito o elogiou e sugeriu que se procurasse seus livros[v]. Falou da importância da atitude do tutor, que sugere, acompanha e incentiva, mas não resolve. Disse que boa parte da eficácia da metodologia depende da capacidade deste tutor – alguém a ser treinado (usando dinâmica de grupo) e avaliado. Assinalou que os alunos, com o tempo, tendem a esquecer os momentos mais gratificantes e os mais trabalhosos, reclamando da menor quantidade de conteúdo abordada por tempo ao aplicar-se esta metodologia. O que parece ser uma contradição, mas mostra como as competências aí tratadas (trabalho em grupo, reconhecimento e discussão analítica de um problema, síntese e representação de conclusões) são desconsideradas pelo ensino tradicional – ao qual estão habituados os alunos e suas famílias. Daí a dificuldade inicial em implementar a metodologia e a reação contrária de parte dos professores da escola.

Questionado, o professor Ducommun assinalou não haver ainda uma avaliação completa dos resultados obtidos pela pedagogia de projeto, apenas uma enquete com os alunos e professores participantes, a ser apresentada na mesa-redonda sobre o assunto. A experiência é recente, e a avaliação do que foi aprendido só deve ser feita algum tempo depois. Enquetes realizadas durante a experiência e repetidas depois de alguns meses mostraram que os alunos tendem a se esquecer dos momentos mais duros e dos mais gratificantes, privilegiando, com o tempo, os conteúdos adquiridos.

Concordou que, como as disciplinas seguintes não faziam apelo às competências desenvolvidas durante a experiência, os alunos tendiam a considerar relevante, passados os momentos gratificantes, apenas o que era exigido habitualmente na escola: mais conteúdos. O que coloca a questão da avaliação sob um novo prisma: as competências aí desenvolvidas devem ser avaliadas em si, após algum tempo da experiência.

Geral - Outros professores relataram o reconhecimento por ex-alunos dos ganhos de aprendizado em metodologias deste tipo só após alguma vida profissional, visto que na escola só se fala de conteúdos – e os alunos tendem a usar apenas esta régua para medir resultados obtidos. A situação muda após enfrentarem o mundo real.

 

4.4. O perfil de formação do engenheiro.

 

4.4.1. Perfil da Escola Politécnica da USP.

 

    Neste painel, primeiro falou o professor Henrique Lindenberg (EPUSP), apresentando o curso de engenharia da Escola Politécnica da USP, cujo resumo está colocado a seguir. As informações prestadas pelo expositor durante o debate estão adicionadas ao resumo.

 

Apresentação: O perfil de formação do engenheiro PoliUSP.ppt.

Resumo:

A Escola Politécnica da USP (Poli) é uma escola tradicional: são conservadores quanto às técnicas de ensino, porém ágeis na criação de novas especialidades. A primeira grande modificação foi introduzida em 1999, donde deriva a atual estrutura. Depois foram introduzidos cursos novos como transformações de cursos de pouca procura na direção de áreas ou especializações mais em evidência, como engenharia ambiental (derivado do curso de engenharia civil) e engenharia de controle e automação (derivado da engenharia elétrica).

A estrutura do curso pode ser descrita da seguinte forma:

Dois dos cursos (computação e química) são “cursos cooperativos”, onde 5 módulos acadêmicos se alternam com 3 módulos de estágios em tempo integral. O ano escolar, neste caso, é dividido em 3 módulos, cada um durando 4 meses. O total de horas destes cursos é maior que os dos outros devido ao tempo alocado aos estágios. Estes últimos são acompanhados pela Poli, usando convênios com empresas.

As cargas horárias são bem menores que no passado, com, no máximo, 28 créditos por período. A distribuição dos conteúdos é descrita pela figura a seguir.

        A Poli privilegia as ciências básicas e as ciências da engenharia, aí se concentrando o seu curso. Na reforma de 1999, as grandes reduções de carga horária ocorreram na disciplinas profissionais e nas disciplinas oferecidas por outros departamentos. O restante do conteúdo é mencionado, mas só é tratado de fato por alguns professores, a título individual.

A opção entre os cursos e ênfases é gradual, por mérito acadêmico (coeficiente de rendimento), sendo o curso mais procurado engenharia de produção. O grande problema aparece com os alunos de menor nível, que são “optados”, e acabam evadindo-se. O curso de engenharia civil não é de todo generalista – e possui um grande problema de evasão. Para evitá-lo, está sendo proposto um Vestibular separado para esta engenharia.

O projeto Poli 2015 está propondo um perfil de formação expresso no seguinte parágrafo:

   “O engenheiro da Poli 2015 terá formação abrangente, tanto sistêmica quanto analítica, fundamentada em sólidos conhecimentos das ciências básicas para a Engenharia, com atitude de sempre aprender. Será competente no relacionamento humano e na comunicação. Terá postura ética e comprometimento cultural e social com o Brasil.”

Esta definição nasceu da percepção de alguns problemas, em que o primeiro deriva de que as competências exigidas pelas grandes empresas não são as mesmas consideradas na escola. As empresas contratam pelas atitudes e comportamentos, para depois treinarem os conhecimentos e as habilidades. De uma forma mais elaborada, é como se a qualidade Q do formando pudesse ser expressa pela fórmula:

Q = (Conhecimentos + Habilidades)Atitudes,

a escola se concentrando na base e as empresas privilegiando (para a contratação) o expoente. Neste sentido, estamos ensinando atitudes que não suspeitamos...

Finalmente, há um texto que expõe as dúvidas presentes na escolha atual de currículos em engenharia:

  Os mesmos problemas se colocam a partir de agora de um continente ao outro. Alguns dentre eles são antigos, como a dificuldade de conciliar o ensino das ciências com a manutenção de uma prática de projeto indispensável em áreas como a engenharia civil e a construção. Outros apareceram mais recentemente, como a necessidade de se conceder um espaço crescente às humanidades, às ciências sociais e ao direito, a fim de preparar os futuros engenheiros a situações cada vez mais complexas. Até que ponto podemos especializar os estudos?"

Onde passa a linha divisória entre cabeças bem feitas e cabeças bem cheias? Como associar verdadeiramente pesquisa e ensino? Todas estas questões não pararam de perseguir aqueles que têm por missão formar engenheiros, estes híbridos de ciência e de ação que nenhuma fórmula permite definir em toda generalidade.”

 

4.4.2. Perfil do CEFET-RJ.

 

         A segunda apresentação neste painel foi feita pelo professor Carlos Henrique Figueiredo Alves, sobre o curso de engenharia do CEFET/RJ, com resumo colocado a seguir. As informações prestadas pelo expositor durante o debate estão adicionadas ao resumo.

 

Apresentação: O perfil de formação do engenheiro do CEFETRJ.ppt.

Resumo:

O CEFET/RJ começou como Escola de Aprendizes e Artífices (1910), passando a ensino técnico (1935), a ensino de graduação e técnico (1960), fornecendo desde 1985 ensino de graduação e pós-graduação em engenharia, e ensino técnico e de nível médio. Na graduação fornece os títulos de bacharel em administração industrial, bacharel em engenharia industrial (especializações: eletrônica, eletrotécnica, telecomunicações, mecânica e controle e automação), e engenharia de produção. Este último é o mais procurado. Além disso fornece cursos de tecnólogo de nível superior, abertos eventualmente de acordo com o interesse do mercado de trabalho.

Seus cursos buscam fornecer uma visão prática, com muita carga horária em laboratórios. O perfil é o de um engenheiro de execução: o foco não é na concepção e pesquisa. Mesmo assim decidiram por uma abertura humanista, tema do novo projeto pedagógico.

O aluno típico do curso de engenharia é o ex-aluno do curso técnico, já trabalhando, e voltando ao CEFET para obter um título de nível superior. Não está interessado em pesquisa ou concepção.

Os textos oficiais atuais indicam como objetivos e perfil de formação:

        Objetivo geral:

  Em consonância com os objetivos do CEFET-RJ, o objetivo geral dos cursos de engenharia é o de formar engenheiros aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, habilitando-os para o exercício pleno de todas as funções nas diversas atividades no campo da engenharia, colaborando para a sua formação contínua.

        Objetivos específicos:

           No entanto, há uma grande pressão por parte da CAPES para que o CEFET/RJ desenvolva seus cursos de pós-graduação e obtenha resultados de pesquisa. Como conseqüência, a legislação federal atual cria uma grande dificuldade na contratação de professores para a área prática, contrariando os objetivos primordiais da escola.

 

4.4.3. Debate:

 

         As falas não serão transcritas ipsis literis, mas de forma resumida.

         Brandão (Luiz Paulo Brandão) – Mesmo no IME vê-se que o mercado de trabalho exige qualificação em gestão, a área é “qualquer área”. O foco do CEFET não era o “chão de fábrica”? O Carlos está falando dos objetivos de outras escolas, saindo do nicho próprio do CEFET, o engenheiro técnico. Faltam engenheiros técnicos – ver o estudo da Secretaria de Tecnologia, que até propõe a criação de uma escola nova para preencher este nicho!

        Alves (Carlos Henrique Alves) – O perfil, na prática, é montado pela origem dos alunos. 50% a 60% de nossos egressos são contratados pelas empresas terceirizadas da LIGHT, CERJ, PETROBRAS, etc.

         Brandão – O perfil de formação de uma dada escola deve se adequar à sua missão, não o contrário.

         Silveira (Marcos da Silveira) – E quanto ao custo dos alunos, não estaremos formando alunos em áreas de baixa procura no lugar de buscar perfis mais apropriados para os tempos que correm? Engenheiros generalistas com visão gerencial, em algumas escolas, engenheiros técnicos em outras escolas, cada escola buscando o seu nicho de formação apropriado à sua história e a seu mercado (candidatos e empresas)?

Lindenberg (Henrique Lindenberg) – Na USP há alunos muito caros: poucos alunos para muitos professores. Por isso criaram novos cursos a partir de cursos que não tinham grande procura. Por exemplo, engenharia ambiental, dado o desinteresse atual pela engenharia civil clássica.

        Tomei (Carlos Tomei) – É compreensível que alunos percam o interesse dado o quadro apontado. Parece haver uma grande distância entre as opiniões da CAPES e a linha de produção de empregos. Há uma discrepância de informações entre os dois lados sobre as políticas que comandam o mercado de trabalho. Está faltando informação precisa sobre este assunto.

        Silveira – Um de meus alunos de doutorado está fazendo uma pesquisa buscando entender esta mudança estrutural do mercado de trabalho. Limitando-se aos formandos em engenharia elétrica no Estado do Rio de Janeiro, irá procurar onde estão empregados e pesquisar sua vida profissional. Qual é o mercado de trabalho estendido destes engenheiros? Já sei que não estão em empresas do setor elétrico, pois um outro aluno de doutorado realizou pesquisas neste setor e não os encontrou. Porque escolheram outros setores diferentes dos de sua formação? Salários melhores? Possibilidades de melhor carreira? Usaram a formação em engenharia elétrica apenas como ponte para uma outra formação não contemplada pelos atuais cursos? Este é o motivo da organização deste painel.

         Geral - A discussão que se seguiu foi muito rápida, e chegou a algumas conclusões, relatadas a seguir.

Falta clareza sobre o estado do mercado de trabalho e sobre o público para cada escola. Observa-se três mudanças fundamentais:

        Há pressões governamentais para mudar os cursos de engenharia (o que começou pela criação da pós-graduação). As escolas também sofrem pressões provenientes do conhecimento da realidade internacional e da mudança do mercado de trabalho. Já o aluno procura a formação que maximiza a sua chance de obter emprego com a qualidade ou o ganho que ele deseja.

Apareceram duas sugestões:

E uma pergunta: a fuga de nossos engenheiros para áreas diferentes de sua formação não é um fenômeno mundial? Se o é, quais suas causas?

 

4.5. O aprendizado a partir de projetos tem funcionado?

 

4.5.1. Luiz Meirelles: Um tema para refletir.

 

A primeira apresentação nesta mesa-redonda foi feita pelo professor Luiz Meirelles, da engenharia de produção da UFRJ.

Tabelas apresentadas:

A pedagogia de projetos funciona1_LMeirelles (arquivo não cedido).

A pedagogia de projetos funciona2_LMeirelles (arquivo não cedido).

A pedagogia de projetos funciona3_LMeirelles (arquivo não cedido).

Resumo:

As tabelas em anexo apresentam resultados da SHELL Éco-Marathon (ver www.shell.com/eco-marathon), um concurso para alunos de engenharia cujo objetivo é projetar e construir automóveis (protótipos de pequeno porte) o mais econômicos possíveis, usando uma das seguintes fontes de energia: gasolina, diesel, gepel, hidrogênio, álcool de colza, metanol, etanol, elétrica ou solar. O resultado apresentado corresponde à distância percorrida usando um litro de gasolina, considerando o consumo obtido.

Objetivamente, os alunos devem fazer seus protótipos percorrer algumas voltas de um dos circuitos de testes nos quais se realizam as competições. Qualquer que seja o carburante utilizado, a classificação será determinada segundo o consumo recalculado em equivalentes mpg de carburante Shell Formula Super 95. Mais ainda, o custo do projeto é limitado de forma bastante restritiva. Um resumo do regulamento pode ser encontrado na página citada:

O record mundial é descrito no texto seguinte: "Depois do esforço da maratona a equipe Microjoule estabeleceu o novo record mundial para economia de combustível vencendo a 2003 Shell Eco-Marathon UK. Eles conseguiram o surpreendente consumo médio de combustível de 10.705 milhas por galão (mpg) no  Rockingham Motor Speedway in Corby, Northants. ... Microjoule entregou sua única máquina ao menor membro da equipe, com 12 anos de idade, Morgan Legeay , que, em uma corrida sem defeitos, realizou o record de 10.750 mpg. O que significa que Morgan poderia dirigir toda a distância de Londres a Melbourne, Austrália, com menos de um galão de combustível!"[vi]

Mesmo considerando que o peso total do protótipo mais o do seu motorista é mínimo, digamos, por exagero, 100 vezes menor do que um automóvel sedã cheio, o seu consumo é ao menos 713 vezes menor! Porque a enorme distância entre o consumo destes protótipos projetados e construídos por estudantes sob restrições orçamentárias e o dos automóveis modernos hoje em dia? Há uma grande desconexão entre os trabalhos dos alunos (neste concurso) e a pesquisa tecnológica aplicada atual. Porque?

Se existem possibilidades como estas nem de longe sendo utilizadas, podemos ainda falar de neutralidade do conhecimento? E nossos cursos de engenharia, não estão sendo pasteurizados? Não participam, não falam do assunto, não dão abertura a essas conquistas (não a obtenção de records, mas a possibilidade do aumento de produtividade, no exemplo a melhora do desempenho de motores a explosão), nem discutem sua possibilidade e a problemática envolvida - que são os verdadeiros problemas modernos.

A tendência dos cursos de engenharia pela pedagogia clássica e seqüencial é uma procura pela neutralidade, ao organizar os conteúdos de forma fechada, deslocados de seus contextos de criação e de aplicação, isolados das problemáticas nos quais foram gerados e são aplicados, a apresentação absoluta e professoral anulando a visão crítica.

 

4.5.2. Mauro Schwanke: Inovações metodológicas e novas formas de avaliação dos cursos de engenharia.

 

A segunda apresentação nesta mesa-redonda foi feita pelo professor Mauro Schwanke, do Departamento de Engenharia Elétrica da PUC-Rio.

Apresentação: A pedagogia de projetos funciona_MSchwanke.ppt.

Resumo:

A história e a metodologia das disciplinas hands-on no CTC da PUC-Rio foram apresentadas, analisando-se as dificuldades e os resultados obtidos. Alguns pontos notáveis foram:

    • Os calouros não aceitam palestras sobre a engenharia, mas as disciplinas hands-on, levando-os a realizar projetos de engenharia simples, têm tido grande receptividade.

    • Descrição: são propostos problemas de engenharia; primeiro eles buscam soluções, para depois aprimorá-las. Os calouros trabalham em grupos, sugerindo-se que montem uma empresa virtual - o que revelou-se um grande incentivo, pelos aspecto de realização pessoal e pelo aspecto lúdico.

    • Os grupos trabalham em ambiente competitivo, com projetos voltados para problemas concretos, de preferência sistemas eletros-mecânicos (para ver e tocar). Os trabalhos geram relatórios (há um cronograma detalhado) e apresentações, quando é escolhido o vencedor. O material gerado (fotos, apresentações) é consolidado e procede-se à divulgação internacional dos resultados alcançados. A maior dificuldade têm sido a interação dentro dos grupos - aí o controle do professor se faz especialmente necessário.

    • A avaliação é importante na formação. Os alunos precisam desenvolver a capacidade de auto-avaliação. A distribuição discriminada de lucros (notas) gera o estímulo da busca pela auto-superação e o reforço dos que trabalham bem.

    • O que dificulta a criatividade: acomodação, receio à crítica, conservadorismo, dependência excessiva, preocupação prematura com detalhes, engarrafamento de informação: velocidade e facilidade, dificuldade de foco e de critério, cultura “empacotada” e descartável, falta de curiosidade (geração vídeo-game, pilotos de mouse), tudo é caixa-preta (síndrome da interface amigável). No laboratório tudo está disponível (material, equipamento, orientação), mas não há, de início, interesse.

    • A rapidez das mudanças no mundo atual gera a falta de referencial.

    • Objetivos deste tipo de disciplina: Formação básica e científica, raciocínio analítico e, lógico, bom senso e critério, atitude empreendedora, aperfeiçoamento contínuo, ética profissional, curiosidade, atenção às  mudanças tecnológicas e sociais, observação do “mundo”.

 

4.5.3. Therezinha Costa: Avaliação de Introdução à Engenharia I, PUC-Rio, primeiro semestre de 2005.

 

A terceira apresentação nesta mesa-redonda foi feita pela professora Therezinha Costa, do Departamento de Informática da PUC-Rio, que apresentou uma avaliação da disciplina Introdução à Engenharia I realizada por enquete com os alunos.

Apresentação: A engenharia de projetos funciona_TCosta.doc

Resumo:

         A avaliação apresentada foi realizada em quatro dos períodos em que a disciplina foi oferecida. O resultado foi muito favorável, conforme as tabelas abaixo.

 

1.   Satisfação com a experiência

        Essa disciplina ajudou você a entender o objetivo da engenharia?

 

Sim (%)

+ ou -

não

2002.1

61,26

08,30

20,06

2003.2

62,22

29,89

6,90

2004.1

56,31

36,89

6,8

2004.2

70

12

0

 

        Essa atividade foi prazerosa para você?

 

Sim (%)

+ ou -

não

2002.1

48,25

34,24

17,51

2003.2

48,81

38,09

13,09

2004.1

72,52

25,19

2,3

2004.2

69,7

3,1

27,2

 

        Você gostou da experiência?

 

Sim (%)

+ ou -

não

2002.1

59,77

29,69

10,55

2003.2

66,19

26,62

7,19

2004.1

80.2

18,81

1

2004.2

93,02

4,65

2,33

 

        Que nota daria à disciplina?

 

2002.1

2003.2

2004.1

2004.2

Média

8

7,05

7,5

8,45

 

2.   Afinidade com a área e com o professor

 

        Você sentiu afinidade com a área do seu projeto?

 

Sim (%)

+ ou -

não

2002.1

61,26

08,30

20,06

2003.2

52,64

31,59

15,79

2004.1

59,41

27,72

12,87

2004.2

54,35

39,13

6,52

 

        Você sentiu afinidade com o seu professor?

 

Sim (%)

+ ou -

não

2002.1

61,26

08,30

20,06

2003.2

58,19

34,46

7,34

2004.1

79,69

18,75

1,56

2004.2

84,45

13,33

2,22

 

        Você se sentiu empolgado com o seu projeto?

 

Muito (%)

+ ou -

Pouco

Nada

2002.1

34,24

36,58

18,29

 

2003.2

45,81

40,49

11,82

1,98

2004.1

51,57

29,69

1,56

0,1

2004.2

48,89

35,56

13,33

2,22

 

4.5.4. Jacques Ducommun:

 

A quarta apresentação nesta mesa-redonda foi feita pelo professor Jacques Ducommun, Lycée Jean Piaget, ESC et HEP-BEJUNE, Neuchâtel, Suíça.

Texto: La pédagogie de projects fonctione-t-elle.doc

A pedagogia de projetos funciona_JDucommun.doc.

Resumo:

A nova maturidade suíça[vii] abriu espaço para o aprendizado a partir de problemas, conduzido dentro de uma perspectiva multidisciplinar. Praticamos tais métodos no Lycée Jean Piaget (Neuchâtel), nos quais o aluno é levado a elaborar e conduzir um projeto de pesquisa em grupo. Esta comunicação faz um balanço pontual e parcial destas práticas interrogando os alunos a posteriori, considerando suas impressões em relação a um tipo de investimento não habitual para eles.

Alguns meses após o fim da aplicação do método, 128 alunos foram questionados por escrito, entre os quais 83 aceitaram responder. Todas as opiniões foram tratadas anonimamente, é claro.

À questão: “Em sua opinião, qual foi a principal vantagem em trabalhar desta forma?”, os alunos foram convidados a responder com um máximo de 3 palavras chave. Os resultados foram classificados em 4 categorias:

 

Categoria

N. de "votos"

Domínio cognitivo

7

Domínio do saber-fazer

173

Domínio do saber-ser

23

Avaliação

1

Total:

204

 

À questão: “Em sua opinião, qual foi o principal inconveniente em trabalhar desta forma?”, repartimos as respostas de acordo o esquema seguinte:

 

Categoria

N. de "votos"

Domínio cognitivo

19

Domínio do saber-fazer

43

Domínio do saber-ser

63

Avaliação

16

Total:

141

 

Os 204 votos positivos representaram 82% do máximo possível (83 x 3) e os 141 negativos 57% deste máximo.

A percepção da atividade é, então, globalmente positiva. Os inconvenientes, mais ainda as vantagens, foram essencialmente percebidos nos planos de saber-fazer e saber-ser.

No conjunto, percebe-se que 71% dos alunos deram um significativo positivo a seu trabalho julgando ter a metodologia alguma utilidade, ou mesmo uma verdadeira utilidade.

Nas observações dos questionados podemos constatar que o entusiasmo diminuiu um pouco ao longo dos meses que se seguiram à atividade. Sua utilidade não foi bem percebida e o prazer sentido citado apenas esporadicamente. Os alunos estavam conscientes de ter adquirido um certo número de competências transversais, mas sentiam falta, ao mesmo tempo, da diminuição do volume de conteúdos assimilados. Pode-se imaginar um certo paradoxo ao ver alunos de ensino médio hierarquizar seu aprendizado desta forma ao mesmo tempo que reclamam conhecimento “utilizáveis”.

Muito poucos alunos analisaram a metodologia de forma extrema, positiva ou negativa. Tudo se passa como se o tempo atenuasse as lembranças específicas fazendo esquecer um pouco os momentos mais difíceis, assim como a alegria da descoberta!

Apesar da quantidade dos conteúdos tratados ser claramente menor que em uma seqüência tradicional, a qualidade da compreensão do assunto pareceu estar em um nível claramente melhorado (principalmente a visão global dos fenômenos). Esta última afirmação reflete a opinião dos professores participantes.

Concluindo, estamos bastante satisfeitos da formulação utilizada e esperamos continuar a aplicá-la, a observando, bem entendido, através de um visão sempre crítica, redobrada da vontade de corrigir certos pontos fracos evocados pelos alunos (ou pelos professores), em especial melhorando a coerência de cada uma das equipes pedagógicas participando do processo.

 

4.5.5. Debate:

 

        As falas não serão transcritas ipsis literis, mas de forma resumida.

Ducommun (Jacques Ducommun) – A dificuldade em aplicar o aprendizado a partir de projetos é o ajuste com a instituição, o que depende de sua organização. Os professores deverão ter uma carga horária maior e estar mais disponíveis para os alunos.

A avaliação apresentada foi um estudo do ponto de vista dos alunos. Como já dito antes, falta fazer um estudo sobre a eficácia desta metodologia, verificando se seus objetivos foram alcançados e permanecem estáveis algum tempo após sua aplicação.

Andrade (Emmanuel Paiva de Andrade) – Não se pode pensar a formação de engenheiros sem projetos, pois os engenheiros são marcados pela intervenção [técnica em práticas sociais]. Há um lado positivo nesta metodologia: aparece um conteúdo tácito que dirige o que é trabalhado nos projetos em grupo. O lado negativo desta atividade é a possibilidade do projeto ser mascarado pelo artefato do protocolo científico: o ensino do protocolo tomar a dianteira da atividade em si e da sua dependência dos interesses que a dirigem.

Há professores com orgulho de não ter “sujado as mãos”. A realidade do engenheiro é diferente da vivida pelo acadêmico. Poucos acadêmicos vivenciaram de fato um projeto de engenharia, com seus acordos tácitos, interesses, reorganizações e compromissos.

Há uma discussão importante sobre a pretensão de uma ciência neutra, bem levada pelo professor Hilton Japiassu. Essa discussão não pode passar ao largo do aluno. Não existe informação descontextualizada. Há sempre um favorecido no final da linha...

A concepção hegemônica é de que a engenharia é uma aplicação da ciência básica. Esta concepção desconhece que a comunidade dos tecnólogos tem características cognitivas para o uso do conhecimento tácito totalmente diferentes das usadas pelos cientistas.

Qual o ganho dos docentes no desenvolvimento do trabalho pedagógico?

        Silveira (Marcos da Silveira) – Tenho acesso a informações trazidas pelos alunos que corroboram as críticas e sugestões feitas nesta mesa-redonda, mas não há tempo para apresentá-las aqui. Quanto aos ganhos dos docentes no desenvolvimento da atividade pedagógica, lembro que sofrem os efeitos das pressões do CNPq e da CAPES, escudadas nas atitudes da comunidade científica. Não que os critérios aplicados por estas duas agências sejam impróprios, mas só há incentivos ao professor por este lado. É inegável que o contato com a pesquisa seja importante para o conhecimento profundo de métodos científicos e de conteúdos atualizados. Mas há os conhecimentos relativos ao comportamento industrial e empresarial, à situação real brasileira, às características cognitivas necessárias aos engenheiros, como citado pelo professor Emmanuel, e a todo um conhecimento pragmático e um conjunto de atitudes externo ao ethos científico – pelo menos em sua tendência majoritária. Neste ponto, é especialmente danoso o raciocínio reducionista aplicado pela comunidade científica nacional, expresso explicitamente pelas duas agências citadas, constante nos critérios de financiamento (com a exceção do PADCT) e que tenta aplicar-se pelas universidades, que diz que todo bom professor deve ser um bom cientista, e que esta característica distingue o bom professor dos outros. Mesmo que se tenha amenizado recentemente esta afirmação, admitindo que a condição não é suficiente, a sua aplicação atual continua desincentivando a preocupação e a pesquisa pedagógica por parte dos docentes, cuja carreira só é valorizada por sua parcela científica. O caso é mais grave quando desejamos formar engenheiros adaptados aos tempos que correm, pois, ao confundir a vitalidade e mobilidade da tecnologia e as mudanças rápidas nos processos de trabalho com a vitalidade científica, deixamos de prepará-los para o trabalho em equipe frente a problemas postos pelo cliente ou pela sociedade.

        Meirelles (Luiz Meirelles) – Alguns professores, como na área de engenharia agronômica, podem agregar os alunos a projetos com empresas como a EMBRAPA. Além disso, fazer projetos ou realizar pesquisas traz o prazer da criatividade.

        Tomei (Carlos Tomei) – Fica a sensação que as disciplinas introdutórias [Introdução à Engenharia] não são suficientes para manter o espírito do aprendizado por projetos.

        Andrade – Não se trata de falar só de projetos, mas de reestruturar todo o curso para estabelecer novas prioridades disciplinares e cognitivas que deverão influenciar diretamente a pedagogia do curso.

        Silveira – O curso de arquitetura e urbanismo da PUC-Rio é organizado de forma totalmente diferente dos cursos tradicionais. Em cada período há uma disciplina de projeto, Projeto de Arquitetura I, II, III, etc.; em alguns períodos os projetos sendo temáticos, Arquitetura de Interiores, etc. As demais disciplinas organizam-se em torno do projeto, havendo professores que os acompanham de perto (tutores), mas todo o conjunto de professores aparece, participando e orientando projetos. Claro, o fato de parte desses professores serem profissionais de sucesso [arquitetos], atuando diretamente no mercado de trabalho, e estarem habituados a trabalhar em equipe, ajuda muito. E há um grande tempo dedicado à organização desta atividade. O mesmo ocorre em algumas escolas de engenharia no exterior, sendo a École Centrale de Lille emblemática. Seu curso é organizado em torno da "atividade projeto", com um grande projeto em equipe ao longo do antepenúltimo e do penúltimo anos e um outro projeto final ao longo do último ano. Além disso os alunos cumprem estágios em tempo integral, obrigatoriamente realizados junto às indústrias e coordenados a partir da escola.

Por outro lado, como foi observado na própria École Centrale de Lille, nem tudo pode ou deve ser apresentado a partir de projetos. Em especial as teorias científicas de base, que permitem fixar termos e organizar todo um campo de conhecimento necessário para saber buscar as informações necessárias para resolver um problema de engenharia.

 

4.6. Faz sentido formar engenheiros a partir da atividade “projeto” no Brasil? E o engenheiro projetista?

 

4.6.1. Michel Thiollent

 

A primeira apresentação nesta mesa-redonda foi feita pelo professor Michel Thiollent, do Programa de Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ.

Resumo:

Na década de 80 a discussão sobre tecnologia e ciência voltou-se para o interesse cognitivo, buscando entender a inteligência artificial e compreender a epistemologia ligada à produção tecnológica. Discutiu-se a especificidade das ciências tecnológicas no sentido de destacar as variáveis envolvidas na prática do projeto – a projetação – o que foi chamado de “ciências da concepção”.

O raciocínio e a atitude não são mais observacionais. Existe um ideal, uma intenção. A idéia da teleonomia foi discutida na teoria geral de sistemas orientados para atender um objetivo, em especial para sistemas de software. Aparece também a inferência prática, organizada a partir de uma razão experimental. Mas esta não existe solta, porém enquadrada dentro de normas sociais. Necessita de normas projetuais (leis da natureza mais normas sociais). Usando-se a lógica modal parte-se das contingências que interferem com o contexto do projeto para o projeto em si.

Além disso, com base na linguagem natural, pode-se chegar a um consenso de linguagem – uma teoria da argumentação. Um exemplo clássico aparece na linguagem da engenharia naval, especialmente adaptada às necessidades do projeto naval, onde as finalidades estão embutidas nos termos utilizados.

No ensino, podemos perceber a dificuldade em desenvolver uma linguagem que possa ser utilizada para projetos concretos.

O planejamento pode ser participativo. Em várias áreas, como design e ergonomia, o planejamento participativo têm sido utilizado. Na COPPE foram apresentadas diversas teses sobre adaptações de processos adaptativos, em especial no que toca à relação homem-máquina. Também é possível discutir projetos em um contexto solidário – vários trabalhos têm sido desenvolvidos sobre este assunto. Permitem resolver questões que são de solidariedade e não de competitividade.

 

4.6.2. Marta Velasco

 

A segunda apresentação nesta mesa-redonda foi feita pela professora Marta Velasco, do Departamento de Engenharia Civil da PUC-Rio.

Resumo:

O engenheiro precisa entender o processo como um todo. O aluno precisa ter contato com a visão do todo para que esta alimente sua luta no mundo fragmentado no qual ele terá de caminhar. O caminho da pedagogia de projetos estimula a criatividade, o espírito crítico, o trabalho em grupo.

A experiência dos projetos nos cursos de design e de arquitetura e urbanismo na PUC-Rio demonstra estas afirmações e tem sido muito positiva. Estes cursos são organizados em torno de projetos, com professores responsáveis pelo acompanhamento e tutorado de cada projeto, a equipe de professores do semestre participando deste trabalho – havendo mesmo momentos com diferentes professores participando. Os alunos discutem os temas em conjunto e dentro de seus grupos, apresentam idéias, são criticados, criticam as propostas dos outros, e chegam a protótipos funcionais.

Este tipo de pedagogia exige muito trabalho dos alunos e dos professores. Exige também uma grande capacidade de organização por parte dos alunos – e parte da orientação é realizada em cima deste problema. Há reuniões de preparação e reuniões de avaliação feita pelos professores em conjunto, decidindo sobre táticas e estratégias e sobre os pontos a serem atacados em detalhe.

A progressão dos temas ao longo do curso busca ampliar a visão do aluno e levá-lo a olhar o projeto como fazendo parte de um todo, e não apenas uma resposta a uma questão técnica particular.

Avaliamos o projeto no início e no final. No início avaliamos a proposta, a extensão e profundidade da análise, o cronograma e a ordenação das atividades, etc. No final avaliamos o trabalho de cada um, o trabalho em grupo, a eficácia em adaptar a proposta e resolver os problemas que foram aparecendo, e o resultado obtido. A avaliação é feita pelo grupo de professores que participa do projeto.

 

4.6.3. Carlos Henrique Alves

 

A terceira apresentação nesta mesa-redonda foi feita pelo professor Carlos Henrique Alves, do CEFETRJ.

Apresentação: Engenheiro projetista CEFET_CHAlves.ppt.

Resumo:

A partir da dissertação de mestrado de um nosso aluno sobre a noção de competência e as competências esperadas pelo engenheiro atual, organizamos a proposta de reforma curricular do curso de bacharelado em engenharia do CEFET-RJ. O trabalho com projetos de engenharia dentro do curso foram enfatizados, ao contrário do que se fazia até então, quando os laboratórios eram essencialmente demonstrativos ou utilizados para atividades de treinamento.

Após verificar as diretrizes da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e verificar as propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais para os Cursos de Engenharia, foram consultados os professores para verificar as visões sobre competências e quais deveriam ser abordadas. Estamos atualmente promovendo uma convivência entre o sistema de ensino por disciplinas e a abordagem por competências, dadas as dificuldades de desenvolvimento e de introdução de uma nova metodologia, a existência de diferenças de opinião no copo docente, e a inexistência de incentivos.

De fato, também sofremos no CEFET-RJ as formas de contratação de professores colocadas pelo MEC. Donde a preferência a pesquisadores com boa graduação no CNPq, o que dificulta contratar professores com experiência de projetos industriais. Também sofremos pressão para obter boa pontuação na avaliação CAPES, o que é um desvio em relação aos objetivos da escola. Esta situação dificulta a introdução e o aprimoramento do ensino por projetos de engenharia.

Debate: As falas não serão transcritas ipsis literis, mas de forma resumida.

        Tomei (Carlos Tomei) – Faltam informações sobre o que fazem os ex-alunos já formados, sobre sua distribuição no mercado de trabalho e sua trajetória profissional. O que o mercado de trabalho de fato busca em novos alunos?

        Silveira (Marcos da Silveira) – Esta estatística, ao menos para uma determinada habilitação, é assunto de pesquisa sendo realizada no momento. Esta informação essencial é assunto de pesquisas freqüentes das federações industriais e das escolas de engenharia no mundo desenvolvido, sendo disponível e usada na divulgação das escolas. No Brasil, fica-se no “acho que”.

Mas este será o assunto do primeiro painel amanhã, onde representantes da indústria (EMBRAER e ELETROBRAS), que já estudaram em profundidade o assunto, nos darão suas conclusões.

 

5. RESUMOS E DEBATES, 28 de junho

 

A seguir serão apresentados os resumos das conferências, mesas-redondas e debates ocorridos no dia 28 de junho de 2005.

 

5.1. O que falta à formação do engenheiro atual - uma visão da indústria.

 

A primeira apresentação neste painel foi feita pelo engenheiro Antonini Puppin Macedo, da EMBRAER. A segunda pelo engenheiro Sinval Zaidan Gama, da ELETROBRAS.

 

5.1.1. Antonini Puppin Macedo

 

Apresentação: Uma visão da indústria_APuppinMacedo (arquivo não cedido).

Resumo:

Primeiro se apresentou, dizendo ter feito mestrado e doutorado (na área de Aerodinâmica) pensando em voltar-se para a área acadêmica. Foi convidado pela EMBRAER para participar do projeto de uma nova aeronave, e assim entrou na indústria. Na EMBRAER, afora ser responsável por parte do projeto de novos aeronaves, foi encarregado do treinamento de engenheiros recém-contratados, ainda em fase de trainee. Este treinamento é realizado levando o grupo a projetar por completo uma aeronave em classe já produzida pela empresa. Projeto em grupo, claro, onde as competências desejadas pela empresa possam ser desenvolvidas e exercitadas.

O paradigma da atuação dos engenheiros mudou dos fundamentos, no início do século XX, para a tecnologia da informação, no início do século XXI (tecnologia digital, GPS/sensores, automação avançada, comunicação inter-plataformas, proliferação de computadores). Houve a transição da era industrial para a era da informação. Os engenheiros passaram de “práticos gerais”, no início do século XX, para “especialistas técnicos” na metade do século, chegando agora a “integradores de sistemas” e “arquitetos de produtos”.

Mudou o processo de projeto e de produção, passando a ser regido pela integração de vários sistemas “terceirizados” (comprados fora, já prontos). A atenção dos engenheiros mudou de foco: de plataformas a sistemas e daí a sistemas de sistemas, o problema passou a ser o de sincronizar – coordenar – cooperar. Chegamos às aplicações sistema – sistema.

Exemplo: eliminação de vibrações aerodinâmicas via filtros eletrônicos que rejeitam a freqüência da vibração. O engenheiro aeronáutico tendia a eliminar as vibrações por alterações de forma, sem perceber as novas possibilidades abertas pela eletrônica e pela teoria de controle. Faltava interação. Hoje existe até o contrário: excesso de confiança na solução eletrônica, deixando pontos em aberto, “porque eles [os engenheiros eletrônicos] resolvem”.

A diferença nacional, neste ponto é grande: 15% dos PhD brasileiros estão na indústria, enquanto a indústria dos USA absorve 85%. Falta, no Brasil, visão de conjunto e domínio de linguagens mais gerais.

O curso de engenharia arraza a auto-estima dos alunos, quando engenheiros precisam de coragem e audácia. A escola não consegue valorizar a profissão. De fato, quem é muito podado não consegue ser criativo nem crítico. É preciso aceitar a diversidade dos alunos e dos problemas, levar os alunos a aceitar outras culturas (colegas de trabalho, por exemplo), a ter postura ética, a ter confiança para enfrentar desafios.

Algumas soluções potenciais: parcerias interdepartamentais, desenvolver desejo de cooperar e incentivos para tal (necessidade de se alterar/criar cursos com rapidez), motivação dos estudantes, ambiente de projeto (entendimento e experiência com síntese interdisciplinar).


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                        

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                Figura: O engenheiro completo.

Depois foram apresentados diferentes perfis de formação de engenheiros no entender de diversas grandes empresas do setor aeronáutico.

 

5.1.2. Sinval Zaidan Gama

 

Apresentação: Uma visão da indústria_SZGama.ppt.

Resumo:

Primeiro apresentou-se, falando de sua formação como engenheiro eletricista, depois um MBA no IBMEC, e de seu doutorado na PUC-Rio, onde pesquisou a formação do engenheiro eletricista do ponto de vista do setor elétrico do Estado do Rio de Janeiro. Falou de seu trabalho na ELETROBRAS e suas subsidiárias, onde foi desde o responsável por equipes de manutenção e, depois, pela geração da CHESF, até, mais recentemente, como interventor da ELETROBRAS para a recuperação financeira e operacional das empresas de energia elétrica de Rondônia, Maranhão e Piauí.

Nesta experiência pessoal viu o aumento das áreas de interesse do engenheiro eletricista, passando das clássicas geração, transmissão, distribuição, operação, planejamento e despacho para as modernas financiamento, comercialização, tarifas e regulamentação. É a partir desta experiência na indústria, complementada pela visão da academia defrontada durante o seu doutorado, que chegou a uma formulação do problema da formação do engenheiro.

Algumas definições: Saberes são o conjunto de conhecimentos que a pessoa domina e a ela pertencem particularmente, competências são aptidões para realizar conforme exigências definidas. Mais explicitamente, nos saberes (eruditos e ensinados) temos conhecimentos e savoir-faire (habilidades e atitudes), que, articulados, levam às competências. As habilidades podem ser gerenciais, interpessoais ou técnicas, e as atitudes são um estado de espírito que se reflete na conduta, sentimento e opiniões.

Em 2001 foi realizada uma pesquisa, onde o elenco de conhecimentos, habilidades e atitudes associados ao exercício da profissão de engenheiro eletricista foram testadas junto ao setor elétrico do Estado do Rio de Janeiro. A conclusão apontou na sugestão de dois perfis de formação diferentes para este engenheiro, a saber:

    • Engenheiro tecnológico, com forte preponderância da formação técnica, onde o conhecimento técnico dos sistemas de potência é o centro da formação: estudos sobre o comportamento operacional dos equipamentos, a análise dos sistemas elétricos, os aspectos operativos (normas e procedimentos) e a programação da operação;
    • Engenheiro que leva em consideração os fundamentos tecnológicos, específicos de cada área, lastreados por sólido embasamento científico e matemático, adicionando outras vertentes: ambiente complexo, mutável com grande rapidez, e no qual suas realizações são às vezes limitadas mais por considerações sociais do que pela capacidade técnica.  Leva em conta os contextos social, econômico e político envolvidos na prática profissional, e a internacionalização das culturas. São empreendedores e preparados para trabalhar em equipe, gerenciar empreendimentos complexos que podem envolver muitos indivíduos, mas também uma empresa de uma só pessoa: eles mesmos.

A competência exigida para os profissionais nas diferentes carreiras na indústria de energia elétrica indica a necessidade cada vez maior de profissionais tipo 2 e, em menor número, de profissionais tipo 1.

A tendência é desenvolver cursos de graduação que possuam como base estruturas flexíveis, permitindo que o futuro profissional tenha opções em diferentes áreas de atuação, uma base filosófica com enfoque na competência, na capacidade de articulação para trabalho em equipe e em projetos, com ênfase na síntese e na transdisciplinaridade, e preocupação com a valorização do ser humano e preservação do meio ambiente, integração social e política.

 

Debate: As falas não serão transcritas ipsis literis, mas de forma resumida.

Epprecht (Eugênio Kahn Epprecht) - O que não dá para ensinar na universidade, ou é mais rapidamente aprendido na empresa?

Gama (Sinval Zaidan Gama) - Vejamos o caso do engenheiro elétrico trabalhando no Banco Garantia. Este banco contratou muitos engenheiros elétricos quando começou a participar das privatizações do setor elétrico. Não bastava conhecer os índices financeiros e contábeis, mas as possibilidades reais dos mercados, questões relativas à demanda e oferta de energia, à composição da matriz energética, às possibilidades de mudança. Todo um conjunto de conhecimentos que se encontram à disposição de um engenheiro elétrico, mas não (com facilidade) de um economista. Mais ainda, a análise destas informações necessitam de um conjunto de ferramentas conceituais, matemáticas (modelagem, etc.), estatísticas e informáticas dominadas por estes engenheiros. O processo de investimento na indústria exige profissionais com conhecimento específico, mesmo que não venham a trabalhar na área técnica correspondente. Isto é, a tomada de decisões de investimento passou a ser compartilhada dentro de equipes contendo advogados, economistas e engenheiros.

Ao terminar o processo de privatizações, estes engenheiros já dominavam boa parte das funções de análise e organização, graças à sua visão sistêmica e a seu domínio de algoritmos e processos de análise de dados e informações.

Temos um mercado de trabalho estendido, ultrapassando as fronteiras técnicas industriais e perpassando o setor de serviços - onde se encontram, hoje em dia, a maioria dos cargos bem remunerados. Daí o segundo perfil de formação apresentado, aberto ao mercado de trabalho ampliado. Mas algumas competências só podem ser desenvolvidas junto ou após a experiência no campo de sua aplicação, como costumam ser as associadas a cargos administrativos de maior importância, como é o caso de especializações muito finas (projeto de geradores, algoritmos de despacho, análises financeiras muito especializadas, etc.) - o que exige uma formação a mais. É o que explica a importância atual dos MBAs e dos mestrados, como aqueles que a ELETROBRAS financiou recentemente. A estes aspectos se agrega o problema da formação contínua em uma tecnologia em mutação, que também exige o retorno periódico ao contato com a academia.

 

5.2. A formação do projetista ou a engenharia de projeto.

 

A seguir o resumo da palestra apresentada pelo engenheiro José Carlos Sussekind.

Resumo:

O conhecido engenheiro José Carlos Sussekind recheou sua fala de histórias pessoais, onde analisou sua experiência pessoal como gerente de projetos, buscando daí responder as perguntas que comumente lhe fazem sobre as qualidades esperadas de um bom engenheiro. Ressaltou que iria palestrar em seu sentido original, isto é, conversar com a platéia, buscando um contato e uma troca de experiências que fosse aproveitada por todos.

A primeira mensagem foi sobre a necessidade de cultura geral, que facilite a conversa e o relacionamento. O gerente de projetos está se relacionando a maior parte do tempo com possíveis interessados, clientes, fornecedores, assessores, funcionários, etc. Precisa compreendê-los em seu contexto, encontrar e descobrir a informação apropriada, seduzi-los para a posição de cliente, seduzi-los para que trabalhem com afinco, seduzi-los para a sua visão do projeto – quando for o caso. Tudo isto é obtido conversando, e muito. Gerenciar projetos passa pela arte de conversar. A cultura geral, passando pela cultura clássica e pela informação sobre o mundo, facilita o relacionamento e a compreensão do outro e de seus problemas. E facilita a escolha e a comunicação com seus auxiliares, isto é, a formar e fazer funcionar satisfatoriamente uma equipe. Assinalou, inclusive, que não se considera um grande calculista ou um grande técnico. Vários de seus colegas de universidade são melhores técnicos. Mas a cultura geral facilitou-lhe chegar e conquistar os clientes, compreendê-los e traçar as direções dos projetos de acordo com seus interesses.

Aí apareceu a segunda mensagem, sobre a escolha do foco do projeto: organizar o projeto a partir do foco dado pelo cliente. Este foco nem sempre é explícito, precisa ser descoberto. Citou, como exemplo, o projeto da Linha Vermelha, a via expressa da cidade do Rio de Janeiro ligando o Aeroporto do Galeão à Zona Sul. Tendo sido convocado pelo Governador Leonel Brizola para discutir o assunto daí a dois dias, perguntou-se qual era o problema central deste projeto. Dado que a via expressa deveria estar pronta em quatro meses, antes da abertura da ECO92, o prazo era o maior problema. E o que mais afeta o prazo de uma obra civil deste porte? Os processos de desapropriação de imóveis no seu caminho! Donde o problema central passou a ser o de encontrar um caminho que não exigisse desapropriações. Contratou um helicóptero e percorreu o trajeto. Do ar, observou que, felizmente, existia um trajeto atendendo a esta condição. Eis como foi escolhido o traçado da Linha Vermelha. No dia seguinte, frente ao Governador, pode responder com uma afirmativa à pergunta sobre a possibilidade de construir a via expressa diante do prazo exíguo, mostrando a solução. Ganhou o projeto.

Depois de vários exemplos sobre a descoberta do foco do cliente e da organização do projeto em torno deste foco, discutiu o problema ocorrido quando da mudança de governo (primeiro governo FHC) que gerou o desaparecimento das grandes obras públicas, nas quais trabalhara até então. Com isso desapareceu a possibilidade de manter grandes equipes à espera de uma nova grande obra, e foi obrigado a desmontar o seu escritório original. Então apareceu a terceira mensagem: a necessidade de reinventar a si próprio.

Perguntou-se que novos projetos de grande porte seriam necessários, qualquer que fosse a orientação do governo. Concluiu que seriam as obras de engenharia sanitária. Como nunca trabalhara neste ramo, reuniu-se com colegas especialistas e com experiência neste tipo de projeto e propôs-lhes montar uma equipe. Conseguiu, e hoje aí trabalha, sempre como gerente de projeto.

 

Debate: Braga (Washington Braga) – A cultura depende da família. Não temos formação para dar aulas motivadas.

        Geral – Seguiu-se um debate inconclusivo sobre a influência do capital cultural da família (com citações à obra do sociólogo Pierre Bordieu), da perda de importância do professor de grande cultura frente à preponderância do especialista técnico – o único reconhecido e premiado atualmente pela academia, das possibilidades abertas pela formação generalista (no sentido francês atual) – deixando grande espaço à formação dita humanista e a atividades explicitamente culturais, como palestras, debates, cineclubes, organização de eventos multiculturais, atuação direta junto à sociedade (e não só a sociedade carente). Foi citada a experiência da USP, com cursos formais de filosofia em seu currículo tradicional (mais de meio século), e a experiência da École Centrale de Paris, com eventos culturais programados ao longo do ano (isto é, não dispostos conforme disciplina regulares). A primeira escola adquiriu esta cultura a partir de sua gestação por filósofos e cientistas sociais, cultura que se tornou uma tradição difícil de ser mudada. A segunda escola precisou de três anos para que seus alunos absorvessem a nova cultura, um trabalho lento e cumulativo. Uma vez instaladas as culturas, os alunos a acham natural e a promovem. Assinalou-se que essas duas escolas são grandes formadoras de líderes – e não apenas de engenheiros – podendo-se encontrar seus egressos em todos os setores da atividade social, da direção de bancos e da política ao projeto estrito de engenharia – e perguntou-se se não haveria uma relação entre este sucesso e a formação cultural incentivada e assumida.

 

5.3. Ciência na formação do engenheiro, formação ou informação?

 

Neste painel falaram os professores Mauro Speranza Neto, Welles Antônio Martinez Morgado e Carlos Tomei, todos da PUC-Rio, expondo pontos de vista da engenharia, da física e da matemática, respectivamente.

 

5.3.1. Mauro Speranza Neto

 

Apresentação: Ciência na Engenharia_MSperanza.ppt.

Resumo:

A questão chave levantada pelo professor Mauro Speranza Neto foi, ao falar como ex-aluno da PUC-Rio, o ressentimento provocado pela exuberância científica e pela forma de tratamento dos professores dos cursos de ciências para a engenharia. Chegou a introduzir no título de sua palestra a exclamação “... ou deformação!”

Começou apresentando sua formação em engenharia, mostrando que passou por todos os percalços de um aluno de engenharia, tornando-se um “especialista em generalidades” – e confirmou a baixa de auto-estima deste aluno, apontada na palestra do engenheiro Antonini Puppin Macedo, e, segundo ele, motivada pela arrogância dos professores-cientistas.

A seguir discutiu um conjunto de afirmações:

    • Engenhar = inventar, idear, engendrar.
    • Engenharia = conceitos físicos + ferramentas  matemáticas e da informática.
    • Engenheiro = engenharia + bom senso +  intuição.
    • Engenharia de bom nível = engenheiro + experiência.
    • Engenharia de alto nível  = engenharia de bom nível + pesquisa.
    • A curiosidade do engenheiro é diferente daquela do cientista (física + matemática ¹ engenharia).
    • A engenharia aprende com o que existe (“... na engenharia nada se cria, todo se copia  ...”).
    • A essência do curso de engenharia é aprender a aprender, desenvolver o próprio conhecimento.

Depois apresentou um "teorema" sobre o ensino básico de engenharia: (a ingenuidade dos físicos) + (a arrogância dos matemáticos) + (a displicência ou o descaso em engenharia) = (deformação na formação).

E deu suas sugestões:

         Para o ensino básico de engenharia:

    • Interação entre a física, a matemática e as engenharias,
    • Integração entre as disciplinas básicas,
    • Disciplinas de Introdução às Engenharias,
    • Disciplinas de Introdução a Projetos,
    • Projetos motivacionais e vocacionais,
    • Uso de profissionais de ensino.

         Para o ensino profissional de engenharia:

    • Uso de profissionais de engenharia,

    • Uso de profissionais de ensino de engenharia,
    • Integração de conhecimentos,
    • Buscar a visão sistêmica dos problemas de engenharia,
    • Projetos, projetos, projetos, projetos ...,
    • Projeto I, Projeto II, Projeto III, ...,
    • Incentivar atividades como a participação em concursos como os Mini Baja, AeroDesign, Guerra de Robôs, Fórmula SAE ...

        Propôs questões para pensar:

    • Provar teoremas para quê? O que forma um engenheiro: provar teoremas ou decorar as provas dos teoremas? Um engenheiro precisa conhecer e saber aplicar os teoremas na medida do necessário.

    • Exemplos acadêmicos por quê?

    • Exemplos não acadêmicos como?

    • É possível e preciso aprender através de projetos. Isso é engenharia!

    • Sujar as mãos na medida do necessário. Isso é engenharia!

    • Modelagem e simulação. Isso também é engenharia (não é só física e matemática,  é interpretação e análise, bom senso, intuição).

    • Professores de engenharia engenheiros!

    • Dedicação ao ensino de engenharia!

 

5.3.2. Welles Antônio Martinez Morgado

 

Apresentação: Ciência na Engenharia_WMorgado.ppt.

Resumo:

Começou por uma definição de engenharia por tópicos: solucionador de problemas, pesquisador tecnológico, calculista para projetos, consultor de empresas, administrador, orientador pedagógico, professor! A seguir discutiu onde as ciências básicas entram na atividade de engenharia: formação básica em física, química e matemática, previsões necessitam modelos científicos (empíricos ou não), novas tecnologias derivam da ciência de ponta.

Disse que as ciências na formação do engenheiro não se restringem ao ciclo básico, pois os cursos avançados de engenharia envolvem aspectos científicos (fenômenos de transporte, otimização, semicondutores, etc), e o domínio de novas tecnologias necessita forte formação científica.

Buscando um modelo internacional, fez uma comparação Brasil x USA restrita a duas universidades PUC-Rio x MIT, usando as formas de financiamento e uma descrição do orçamento destas instituições. Concluiu que os alunos vêm de contextos diferentes:

    • Alunos nas grandes universidades americanas são altamente selecionados (tipicamente do topo, 1o ou 2o lugar de suas escolas).

    • Muitos possuem conceitos avançados de cálculo; curva de aprendizado muito inclinada.

    • Alunos brasileiros tem formação que vai do excelente ao não tão bom ao entrar na universidade.

    • Sua curva de aprendizado é um pouco mais lenta.

Assinalou que as culturas locais são diferentes:

    • Ambas são instituições líderes, respeitadas localmente e globalmente.
    • PUC-Rio: ciclo básico engloba apenas a área cientifico-tecnológica.
    • MIT: ciclo básico engloba TODAS as áreas (incluindo música, ciências políticas, etc), pois formação científica faz parte da CULTURA do aluno local.

Os mercados de trabalho são diferentes:

    • Principais atividades após formatura: atividades técnico / administrativas x atividades técnico / pesquisa (indústria).
    • Brasil: alunos raramente se tornam pesquisadores na indústria. Tendência de seguir carreiras mais técnicas com pouca necessidade de conhecimento cientifico mais atualizado.
    • USA: bastante comum a carreira de pesquisa na indústria necessitando forte conteúdo científico para a boa formação profissional (top universities).

E concluiu com uma resposta conciliadora : In medium virtus?

    • Ciência não é somente um instrumento para uso profissional futuro: faz parte da cultura geral e da compreensão da Natureza.

    • O tempo durante a formação do engenheiro é precioso e deve ser observado o equilíbrio entre a formação geral (a ciência está aqui) e a formação utilitária para seu futuro profissional (a ciência também está aqui).

    • A ciência deve ser envolvida ao mesmo tempo na formação ena  informação do futuro engenheiro.

5.3.3. Carlos Tomei

 

Apresentação: Ciência na Engenharia_CTomei.pdf.

Texto: Ciência na formação do engenheiro_CTomei.doc.

Resumo:

        Certo de que os colegas de mesa iriam elencar argumentos expressivos confrontando as duas posições, limito-me a lembrar ao público algumas razões que tornam a ciência vital em nossa cultura. Para ser mais esquemático e adequando-me a um dos motes do Colóquio, descrevi os temas como projetos, isto é, atividades para um eventual curso na formação de um engenheiro. De fato, os temas são pontos de partida para reflexões sobre a atividade científica.

         Algumas opiniões sobre ciência:

    • O livro da natureza se escreve em linguagem matemática.

              A frase galileana remete ao velho debate sobre a possibilidade de modelar o mundo. Passam os milênios e o tema cresce em sofisticação e conteúdo ideológico.

    • A linguagem desse livro pertence a um dicionário que cresce todo dia.

              Uma das sutilezas do tema é que justamente o vocabulário fala muito de nossa visão de mundo. O conceito de energia em física, por exemplo, é surpreendentemente recente. Imaginar um universo limitado e sem fronteiras exige uma prática de geometria rara.

    • Tudo pode ser simplificado por quem entende.

              A frase é um jargão tranqüilizador: só não entendemos algo em pouco tempo porque o assunto não nos é explicado com clareza. Ninguém cobra de um atleta ou de um músico que nos transmita seu saber, mas o cientista não tem direito ao conhecimento cumulativo. Talvez o conhecimento cumulativo não exista: tudo é essencialmente muito simples.

    • A segunda vez é tão fácil, a primeira deve ser também.

              Para descobrir um material adequado para o filamento de uma lâmpada incandescente, Edison fez milhares de experiências. Para mostrar seus resultados, levou muito menos tempo. Para o matemático Besicovitch, a qualidade de um matemático se mede pelo número de demonstrações feias que concebeu: a primeira demonstração não se preocupa em geral com questões estéticas. A demonstração pronta, aliás, esconde o trabalho para obtê-la. Para Marx, isso faz com que seja difícil para um leigo valorizar ciência.

    • Ciência é bom-senso, ou não.

              Outro exercício em banalização. Esse vem acompanhado de seu gêmeo escuro: ciência é esoterismo, inalcançável aos não eleitos. O que chamamos de bom-senso hoje não faria sentido para Aristóteles, que não era de todo limitado.

    • Por não sabermos fatorar números de 400 algarismos, todo dia um trilhão de dólares muda de dono de forma segura.

              A criptografia empregada em mensagens eletrônicas se baseia, de forma muito criativa, nesse fato aritmético banal. Hardy, um dos grandes especialistas em números primos do século XX, orgulhava-se que seu conhecimento era totalmente desprovido de aplicações. Nem os cientistas sabem o que ciência pode fazer.

      Limitações

    • Existem mais números entre 0 e 1 do que textos. Não se pode descrever quase nada.

              De fato, existem infinitos de tamanhos diversos e os textos são pouquíssimos comparados com os números. A moral é que não podemos sequer dar nome a todos esse números, quanto mais falar de tudo com absoluta precisão. As limitações lingüísticas da ciência são expressivas.

    • Aproximações é o melhor que temos.

              Para fins científicos, especialmente experimentais, aproximações que sejam fáceis de descrever já dão conta do recado. Inútil procurar a exatidão absoluta para tudo.

    • Falta 90% da matéria do universo.

              No final do século XIX, alguns físicos muito respeitados expressaram sua opinião de que a física do século seguinte estaria restrita à aferição cada vez mais precisa dos fenômenos já conhecidos. A primeira década do século XX assistiu ao nascimento da mecânica quântica e da relatividade. Ciência não é para estudar mais casas decimais: o estudo do movimento das galáxias leva a crer que não sabemos onde se encontra boa parte da matéria do universo.

    • Nem tudo segue de implicações. As explicações são poucas.

              O grande lógico Gödel mostrou que, mesmo em matemática, existem afirmações verdadeiras (isto é, que não podem ser desmentidas) que não podem ser deduzidas a partir de nossos pontos de partida axiomáticos. Pior, todo ponto de partida escolhido vai deixar de alcançar algumas afirmações verdadeiras. Chaitin, mais recentemente, argumenta que freqüentemente demonstrar uma afirmação é encontrar um texto finito que justifique um número infinito de instâncias. O que aprendemos com os dois é que demonstrações são quase improváveis.

    • Passe no teste de Turing.

              Em vez de procurar uma definição para o que quer dizer pensar, Turing sugeriu seu famoso teste, por volta de 1930. Coloque em dois quartos um computador bem programado e um humano. Alguém de fora, por meio de um diálogo, tenta adivinhar em qual dos dois quartos está o computador. Até hoje não se sabe uma maneira adequada de proceder a essa identificação. Em um sentido profundo, é como se não soubéssemos ainda se existem distinções textuais entre os dois.

      A busca da verdade

    • Órbitas planetárias se dispõem como poliedros regulares inscritos. Átomos de hidrogênio obedecem à equação de Schrödinger.

              Kepler apresentou um modelo para a distribuição de planetas pelo sistema solar baseado numa construção envolvendo poliedros regulares aninhados. Para os olhos contemporâneos, a figura é linda mas está mais próxima da alquimia do que da ciência. Por outro lado, não é que supor a validade da equação de Schrödinger, ponto de partida da mecânica quântica, seja muito diferente em termos conceituais. É difícil imaginar as negociações com o sindicato de átomos de hidrogênio.

    • Ciência vai além de mímica?

              Mas se a equação de Schrödinger não é um passo na direção da Verdade, o que seria? Será que estamos simplesmente fazendo imitações melhores aos nossos próprios olhos?

    • Previsão, modelagem, séries temporais: mímica?

      Existe uma enorme quantidade de técnicas matemáticas voltadas para a extrapolação: a partir de poucos dados, buscamos prever outros. O que estamos aprendendo?

    • O laplaciano está em toda parte.

              Para muitos, a atividade científica, abundante de uniformidades, é indicação de uma inteligência subjacente. Para Feynman, em vez, é a prova de que nosso vocabulário é extremamente limitado, e acaba se repetindo.

    • Somos poeira de estrelas.

              Nenhuma cosmologia, nenhum mito de criação, é mais emocionante do que aquele oferecido pela ciência moderna, ainda que confuso e debatido – talvez também por isso.

              Usando a técnica dos epiciclos – uma superposição de movimentos circulares uniformes empregada pelos astrônomos gregos – é possível desenhar uma órbita como essa (um planeta entre 64 planetas orbitando em torno de uma estrela). Um pouco de transformada rápida de Fourier ajudou.

    • O cérebro tem emoções que o coração desconhece.

              Na frase de Millôr Fernandes, a lembrança de que a atividade intelectual é, antes de tudo, humana.

 

Debate: Por falta de tempo, houve essencialmente um único longo comentário.

Silveira (Marcos da Silveira) – Noto um descompasso claro entre as apresentações do Speranza e do Welles. O Speranza sublinhou uma posição diferente do engenheiro diante do mundo em relação à do cientista, o que já foi assinalado por boa parte dos palestrantes. O Welles continuou repetindo que tecnologia é física aplicada, ignorando a existência de um ponto de vista diferente, que o engenheiro tem como compromisso principal resolver o problema para um dado cliente, não entender com profundidade os fenômenos envolvidos. Creio poder assim explicar a “ingenuidade” dos físicos (segundo Speranza): eles nunca viram um engenheiro trabalhando, não sabem como “projeto” é declinado em engenharia.

Esta ingenuidade reaparece, de certa forma, na apresentação do Tomei, pois seus projetos, frases intrigantes que levam à essência do conhecimento, freqüentemente irônicas (ironizando a opinião comum, encontrável no jornal e no achismo habitual), não são projetos de engenharia. São problemas em aberto, brilhantemente escolhidos, mas dirigidos a interrogações de escopo mais filosófico que pragmático. Concordo que devem ser levados à formação dos engenheiros, e mesmo bem além disso. Participam da formação cultural, pois ciência também é cultura!

A comparação entre o MIT e a PUC-Rio, apesar de ter apresentado muitas diferenças, comete um erro clássico: esquece que o aluno do MIT é dirigido para a pós-graduação, não para o mercado de trabalho. E que o MIT existe dentro de todo um conjunto organizado de instituições com funções diferentes, dos milhares de Colleges municipais às menos de vinte universidades de pesquisa nos USA (entre elas o MIT). Já no Brasil, toda universidade deve ser de pesquisa, por lei. Todas concorrem entre si (no papel), disputam os mesmos alunos, em um país onde a mobilidade do estudante não é bem recebida.

Mesmo nos USA, a maioria dos engenheiros trabalha (atualmente) no setor de serviços, em tarefas administrativas e de planejamento, desde que tecnicamente fundadas. Os administradores do MIT, quando de sua visita ao Brasil há três anos, nos assinalaram o descompasso entre a formação realizada em sua instituição e as necessidades do mercado de trabalho, e a enorme dificuldade, quase impossibilidade, de fazer os famosos pesquisadores contratados pelo MIT reagirem como professores eficazes para a formação dos alunos, dado que todos os seus incentivos são ligados à produção científica. Aliás, a comunidade acadêmica estado-unidense assinala os mesmos problemas que a brasileira relativamente à qualidade dos alunos de graduação , e que foram apontados na palestra do Welles. Basta ler os anais de qualquer International Conference on Engineering Education ou das reuniões da ASEE – o tema do aluno diferente, voltado para o espetáculo imediato, protegido, sem concentração, sem curiosidade, é recorrente!

Falando como matemático e físico que trabalha há muitos anos entre engenheiros, posso dizer que, apesar da afabilidade do Welles e do Tomei – que não foram arrogantes pessoalmente – suas apresentações parecem arrogantes ao público de engenheiros. Eles têm soluções onde os outros têm problemas. Eles simplificam (vivem na academia) onde os outros tocam a complexidade do mundo moderno, formada pela multiplicidade de interesses, pela multiplicidade de pontos de vista, pela necessidade de diálogo com a equipe e com os clientes, pelas soluções negociadas socialmente, pelo compromisso com a solução ou intervenção mais que com a obtenção de novo conhecimento. Eles ponteiam um conhecimento que permanece mítico para os engenheiros, quando não francamente negado, como fez o Speranza. Será um problema dos engenheiros (Speranza deu um duplo sentido a seu ressentimento) ou dos cientistas (não entender o problema de engenharia e/ou aplicar critérios indevidos)? Precisamos trabalhar muito mais esta comunicação, compreendermo-nos melhor.

        Tomei (Carlos Tomei) [Uma réplica a posteriori]: A dificuldade de convivência entre engenheiros e matemáticos certamente tem razões históricas. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, a Segunda Guerra e os grandes projetos que a seguiram (o programa espacial, o computador, telecomunicações) criaram ambientes em que as comunidades científicas coexistiram e aprenderam a respeitar-se mutuamente. A arrogância nacional é simétrica: engenheiros acham que matemáticos não tem nada a sugerir, matemáticos subestimam as dificuldades dos problemas com que se confrontam engenheiros. Ter soluções para um matemático quer dizer honrar uma tradição de grandes idéias. Simplificar é uma ferramenta indispensável para as duas partes: ao lidar com problemas reais propostos por um cliente e ao tentar modelar situações da natureza.

 

5.4. A formação e a habilitação do engenheiro.

 

Nesta mesa-redonda falaram os professores Luiz Paulo Brandão, do IME e da UERJ e atualmente às voltas com o CREARJ, Mário Neto Borges, atualmente Diretor Acadêmico da ABENGE (Associação Brasileira de Ensino de Engenharia), e Emmanuel Paiva de Andrade, Diretor do Departamento de Engenharia Elétrica da UFF. O debate foi ocorrendo ao longo das apresentações, parte pelo aspecto polêmico do assunto, parte pela longa duração do evento.

 

5.4.1. Luiz Paulo Brandão

 

Resumo:

O professor Luiz Paulo Brandão fez uma análise minuciosa do sistema CONFEA/CREAs de controle do exercício profissional em engenharia e arquitetura e da proposta recentemente apresentada para a regulamentação destas profissionais. A nova proposta deveria responder o desafio posto pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Engenharia e pela separação completa feita na LDB entre a formação profissional e os credenciamentos profissionais. A regulamentação antiga é burocrática, apenas reconhecendo os títulos concedidos por instituições credenciadas pelo MEC, mas estabelece uma extensa lista de atividades profissionais (inclui até “pesquisa” e “ensino” como atividades a ser regulamentadas e fiscalizadas pelos CREAs) em desacordo com o atual mercado de trabalho de engenharia. Busca simplificar as denominações, estando em luta aberta com a atual proliferação de especializações. Construída para reservar um mercado de trabalho para os formandos, sobrepõe-se à regulamentação de muitas outras profissões.

Observou que a proposta atual repete a anterior, apenas subdividindo terrivelmente as especializações, tornando inviável qualquer análise, além de repetir os erros da regulamentação anterior.

Considerou que explodir o sistema CONFEA/CREAs é atualmente inviável (o que foi sugerido, na hora, por vários participantes presentes). Melhor é brigar pela aprovação de uma proposta mais simples, essencialmente filosófica, que não tente limitar a realidade a um quadro burocrático. Apresentou sua proposta pessoal de regulamentação, contida em apenas uma página.

Embora, na discussão que se seguiu, a proposta do professor Brandão tenha sido considerada razoável, foi observado que ela, essencialmente, desmancha o poder do sistema CONFEA/CREAs – e por que não acabar com este sistema?

 

5.4.2. Mário Neto Borges

 

Apresentação: Formação e habilitação profissional_MNBorges.ppt.

Resumo:

O professor Mário Neto Borges começou enumerando as mudanças ocorridas no final do século XX quanto à atividade de engenharia e à formação de engenheiros:

    • Uso intensivo de tecnologias.

    • Novo contexto acadêmico, econômico e social.

    • Demanda por profissionais altamente qualificados.

    • Nova legislação (LDB e Diretrizes Curriculares).

    • Currículos flexíveis (P.P.P.).

        Concluiu que as atuais atribuições profissionais (Res. 218 do CONFEA) estão superadas. Fez um estudo do calendário das mudanças, e colocou o que seria a principal modificação esperada pela lei e pela modernidade na formação de engenheiros:

Passar de um curso baseado em conhecimentos (conteúdos) e centrado no professor para um curso baseado em competências (resultados do aprendizado) e centrado no aluno.

        Em outras palavras, passar o foco do plano professor x processo de ensino (isto é, do conteúdo a ser ministrado) para o plano produto x aluno (habilidades e competências).

O que é um profissional competente atualmente? Um profissional:

               a)    preparado para enfrentar desafios, isto é, flexível, adaptável, criativo, crítico;

               b)    capaz de resolver problemas, tomar decisões, trabalhar em equipe e comunicar-se.

Sua formação exige novas estruturas curriculares, flexíveis, dinâmicas, com opções (personalizar a formação), com foco na avaliação e revisão e com articulação com a pós-graduação ou outros certificados.

Depois analisou o processo de reforma das atribuições profissionais pelo CONFEA, considerado muito apertado, mostrando que os “considerandos” do texto estão em desacordo com a repetição da regulamentação anterior. A única mudança real é a introdução do Anexo II, enorme lista já criticada pelo professor Brandão.

Na questão de interesse – verificar a qualidade dos engenheiros formados, a regulamentação não pode mudar o fato de cada escola deve definir seu perfil de formação:

Cabe às congregações das escolas e faculdades de engenharia, Arquitetura e Agronomia indicar ao Conselho Federal, em função dos títulos apreciados através da formação profissional, em termos genéricos, as características dos profissionais por elas diplomados (Lei n. 5.194, de 22 de dezembro de 1966, Art. 10, não revogada).

        Daí as conclusões do professor Borges:

    • O Sistema Confea/CREAs precisa rever seu paradigma.

    • A proposta de resolução é coerente com as Diretrizes Curriculares (pois não tenta revogar a lei citada acima...).

    • É da competência das IES definirem a formação do engenheiro.

    • É possível conceder as atribuições baseadas nos novos currículos. (i.e. PPP).

Foi observado pela platéia que o professor Borges disse que as IES não eram afetadas pela regulamentação proposta, mas nada disse sobre a regulamentação de exercício da profissão em si, uma excrescência íbero-latino-americana, no dizer do professor da Silveira. O professor Borges respondeu que, reconhecendo as IES como as definidoras de seus perfis de formação, nada mais havia a dizer.

 

5.4.3. Emmanuel Paiva de Andrade

 

Resumo:

A conclusão do professor Emmanuel Paiva de Andrade, diante do que fora dito pelos outros palestrantes e da discussão que se instaurou no plenário do Colóquio, foi simples e direta: é preciso desaparecer com o CREA! Não tem função, não estabelece uma ligação entre as IES e o mercado de trabalho, não deve e não pode regulamentar os perfis de formação dos engenheiros, que dependem de variáveis regionais e internacionais, da história de cada IES, das possibilidades e mesmo de um planejamento de país. Então, só atrapalha.

 

6. CONCLUSÕES

 

6.1. O setor produtivo precisa de um novo engenheiro.

 

Ao longo do Colóquio, os testemunhos do setor produtivo e as pesquisas realizadas a partir do meio acadêmico apontaram:

    • uma lista de competências que nunca foram consideradas na formação dos engenheiros;

    • um conjunto de mudanças ocorridas nos processos de projeto e produção que alteraram a forma de atuação dos engenheiros, donde o aparecimento de novas e diferentes necessidades de formação.

Os novos engenheiros passaram a ser “arquitetos de produtos” ou “integradores de sistemas”, muito freqüentemente trabalhando com sistemas gerenciais ou comerciais – o que conduz a considerar um mercado de trabalho estendido. Novas competências passaram a ser privilegiadas, algumas delas exigindo uma alteração profunda dos currículos e das metodologias pedagógicas.

Por exemplo, trabalhar em equipe, comunicar-se eficientemente (o que depende da cultura e da capacidade de diálogo – entender o ponto de vista do outro, principalmente por parte daquele que gerencia projetos), sincronizar / coordenar / fazer cooperar equipamentos, sistemas e equipes, tomar decisões. O engenheiro precisa saber se relacionar e entender o processo como um todo, compreender os interesses do cliente para aí focar sua atuação, ser criativo e saber buscar soluções em um mundo em que o conhecimento e as explicações científicas duram cada vez menos tempo, ter confiança para tomar decisões e saber explicá-las e defendê-las.

 

6.2. Há uma pluralidade de perfis de formação a serem desenvolvidos.

 

Mas qual o perfil de formação para o engenheiro brasileiro? Defendeu-se a existência de múltiplos perfis de formação, diferentes para cada escola, de acordo com seus públicos, tradições e interesses (regionais e/ou nacionais) – a busca de uniformidade e homogeneidade dos currículos brasileiros foi vista como um problema ou como uma mania perigosa para o interesse nacional. A experiência suíça em organizar a educação em um país dividido culturalmente (diversas religiões, línguas, culturas e necessidades locais) mostrou-se esclarecedora. Foi apresentada a atual legislação brasileira, que defende a organização de currículos por competências, cabendo a cada escola definir o seu próprio perfil de formação. Neste ponto, os exemplos (e problemas) da Escola Politécnica da USP e do CEFET-RJ, cada uma com seu perfil de formação, mostraram a realidade e a importância da discussão.

Apontou-se a falta de um levantamento mais profundo e formal sobre os interesses do mercado de trabalho estendido – onde vão trabalhar nossos ex-alunos, e fazendo o quê?

 

6.3. O ensino tradicional, centrado em conteúdos, foi criticado.

 

Foram apresentadas críticas ao ensino habitual, em especial:

    • ser centrado em conteúdos dentro de uma metodologia pedagógica seqüencial, quando “não se pode pensar a formação de engenheiros sem projetos, pois os engenheiros são marcados pela intervenção” técnica em práticas sociais;

    • “arrasar a auto-estima dos alunos”, quando “engenheiros precisam de coragem e audácia”. Neste sentido, “a escola não consegue valorizar a profissão”, gerando mesmo ressentimento nos alunos.

Outra crítica apresentada, explicando parte do efeito apontado acima, diz que “a concepção hegemônica na universidade é que a engenharia é uma aplicação da ciência básica. Esta concepção desconhece que a comunidade dos tecnólogos tem características cognitivas voltadas para o uso do conhecimento tácito totalmente diferentes das usadas pelos cientistas”. Estas características cognitivas, manejadas diferentemente pelos diversos membros de uma equipe, só podem ser desenvolvidas no aprendizado a partir de projetos.

Mais fortemente, foi dito que “a realidade do engenheiro é diferente da vivida pelo acadêmico: poucos acadêmicos vivenciaram de fato um projeto de engenharia, com seus acordos tácitos, interesses, reorganizações e compromissos”. Um exemplo candente de como a vida na escola está afastada dos interesses sociais foi fornecido pelo professor Luiz Meireles, que pôs em discussão o efeito negativo da crença (que lhe parece hegemônica) na neutralidade da ciência. Porém a cultura científica é importante para entender o mundo moderno e a evolução da técnica, principalmente se seu aprendizado comportar a discussão de problemas. Nesta direção, foi fornecida uma bela lista de problemas científicos instigantes e centrais no conhecimento contemporâneo, que podem – e devem – ser levados aos alunos de engenharia.

 

6.4. O aprendizado a partir de projetos foi fortemente defendido.

 

Quase todas as falas defenderam o aprendizado a partir de projetos, por razões:

    • epistemológicas,

    • cognitivas (organizadas na forma de paradoxos a serem enfrentados pelos cursos de engenharia),

    • pedagógicas (dado o aprendizado por competências),

    • formativas (buscando formar atitudes e desenvolver competências),

    • e políticas (relacionar as escolas, seus professores e alunos com os interesses do setor produtivo, sem necessariamente se dobrar a eles – daí o espírito crítico e a formação de uma cultura humanística e científica).

“Há um lado positivo nesta metodologia: aparece um conteúdo tácito que dirige o que é trabalhado nos projetos em grupo. O lado negativo desta atividade é a possibilidade do projeto ser mascarado pelo artefato do protocolo científico: o ensino do protocolo tomar a dianteira da atividade em si e da sua dependência dos interesses que a dirigem”.

Mas não bastariam algumas disciplinas por projetos – como ocorre atualmente, mas precisa-se de todo um currículo em torno desta atividade. Foram dados exemplos de currículos desta forma no exterior e no país (para cursos de Arquitetura ou de Design), assim como exemplos de currículos integrando estágios de tempo integral (Escola Politécnica da USP, que, em alguns cursos, dedica 3/5 do tempo a estes estágios).

 

6.5. Diversas experiências de aprendizado por projetos foram apresentadas e discutidas.

 

Algumas metodologias para aprendizado a partir de projetos foram apresentadas, aplicadas na Suíça ou no Brasil, todas abandonando a primazia do conteúdo. Atividades extra-curriculares, como os concursos promovidos pela SAE, foram também apresentadas como exemplos bem sucedidos do aprendizado por projetos.

Em todos os casos as disciplinas e as atividades de projeto foram aprovadas pelos alunos, embora ainda falte uma avaliação mais completa de seus resultados. Observou-se que pensar por competências provoca um certo mal-estar nos alunos e professores, o que foi explicado pela mudança de paradigma aí embutida. A pergunta “Quando o professor cumpriu sua missão?” admite respostas completamente diferentes conforme o objetivo de quem ensina: se é a capacidade de devolver certo conteúdo (o que é facilmente mensurável) ou se é a competência em resolver problemas contextualizados (o que não é facilmente reconhecido pela escola e por seus alunos, dada a tradição conteudista ainda muito forte).

Para desenvolver estas metodologias necessita-se do acordo da instituição, pois há uma infra-estrutura a ser desenvolvida, é preciso disponibilidade de tempo (no currículo e dos professores) e de espaço físico, e o processo de avaliação têm de ser repensado frente a estas atividades que saem do habitual (avaliação de alunos, professores, disciplinas e cursos), ainda mais considerando haver uma mudança de paradigma.

 

6.6. O sistema CONFEA/CREAs foi fortemente criticado.

 

Finalmente, discutiu-se o sistema CONFEA/CREAs e as proposições de regulamentação da profissão mais recentes. Mesmo quem defendeu uma proposta de regulamentação mais simples, ou a inoperância legal (donde a irrelevância) de qualquer proposta desse tipo a partir do CONFEA, considerou que o fez pela aparente impossibilidade de acabar com o sistema. O Colóquio terminou sem discutir possíveis interesses para a existência de um órgão regulador e fiscalizados da profissão, mas com a proposição de acabar com os CREAs (ver a fala do professor Andrade), dada sua inutilidade.

 


 

 

 

 

NOTAS

 


[i] Referências típicas expondo seus princípios e experiências pedagógicas são o Vol 30, número 2, do periódico IEEE Transactions on Systems, Man, and Cybernetics, Part C, número especial editado em maio de 2000 sobre educação em engenharia de sistemas (em especial o artigo de Michel Bigand, Etienne Craye, Philippe Deshayes: Project monitoring in a graduate engineering school, pp.. 183-188); os trabalhos apresentados nas diferentes International Conferences on Engineering Education (ICEE) desde 1997; e o artigo  de M. A. da Silveira e L. C.  Scavarda do Carmo, Sequential and Concurrent Teaching: Structuring Hand’s-On Methodology, IEEE Trans. Education, Vol. 42, n. 2, p. 103-108, maio 1999.

[ii] Ver Philippe Perrenoud, La transposition didactique à partir de pratiques: des savoirs aux compétences, in Revue des sciences de l'éducation (Montréal), Vol XXIV, n. 3, 1998, pp. 487-514 (ou em www. unige.ch/fapse/SSE/teachers/perrenoud); M. A. da Silveira, A formação do engenheiro inovador, Ed. PUC-Rio, no prelo.

[iii] NT: No lugar de uma certificação no final do ensino médio via um exame nacional, como o Baccalauréat na França, ou o ENEM, no Brasil, a Suíça adotou uma certificação a partir de uma avaliação por competências realizada pelas escolas ao longo do ensino médio segundo critérios nacionais. Diz-se que o aluno que foi bem sucedido nesta avaliação atingiu a “maturidade” esperada para o seu nível. Por extensão, o sistema de avaliação, em especial, neste texto, o sistema que assinala o sucesso no ensino médio e permite o acesso à universidade, também é chamado de “maturidade”.

[iv] NT: "mais objetivas" no sentido de que tratam problemas bem especificados.

[v] Ver Editions de Boeck UNIVERSITE, http://universite.deboeck.com, Alphabétisation scientifique et technique (1994), Éduquer (1998), La construction des sciences (2001), Approches didactiques de l’interdisciplinarité (2002, com Alain Maingain e Barbara Dufour), Apprivoiser l’épistémologie (2004), Pratiquer l’épistémologie (2004, com Jean-Claude Verhaeghe, José-Luiz Wolfs, Xavier Simon e Dominique Compère), além de textos no Courrier du CETHES, www.fundp.ac.be/cethes/CourrierduCethes.

[vi] Tradução do coordenador do Colóquio.

[vii] NT: ver nota iii.